sábado, 26 de junho de 2010

PARA LEMBRAR: TORTURA NUNCA MAIS

O preço do diálogo e do perdão


O diálogo, uma relação exigente

"O problema do nosso mundo é que é muito mais fácil criar um extremista do que um homem do diálogo, um ideólogo do que um espírito crítico. Dito isso, só os homens de diálogo são homens de paz e, como não se pode viver eternamente em conflito, são eles que têm as chaves do futuro."

A opinião é de Antoine Nouis (foto), pastor da Igreja Reformada Francesa, em artigo publicado na revistaRéforme, n° 3374, 24-06-2010. A tradução é deMoisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O Talmude relata que dois grandes mestres do judaísmo, rabinos Yohanan e Resh Lakish, tinham o hábito de estudar juntos. Quando o segundo morreu, propuseram ao rabino Yohanan que tivesse o rabinoÉlazar como companheiro de estudos. Nos seus diálogos, este último aprovava tudo o que o rabino Yohanan dizia e levava também novas provas em defesa do que dizia. O rabino Yohanan disse: "Você não é de nenhuma utilidade para mim! Resh Lakish trazia 24 objeções ao que eu afirmava e me obrigada a lhe dar 24 respostas. Então, o nosso ensinamento comum era enriquecido. O estudo com você não me dá nada". Segundo esse apólogo, o objetivo do estudo não é descobrir a verdade, mas ir sempre além na busca dos seus argumentos.

Encontramos duas grandes tradições intelectuais que são fundadas no diálogo: a maiêutica socrática e a controvérsia rabínica.

A ética do diálogo

Para Sócrates, o objetivo do diálogo é se libertar de todos os raciocínios errados para chegar a um pensamento rigoroso. Um dos seus descendentes, Aristóteles, estabeleceu as regras da lógica que permitem qualificar a qualidade de um raciocínio. Encontramos um fruto desse método na Suma Teológica de Tomás de Aquino, que não expressa uma proposição sem citar e responder a todas as objeções que lhe podem ser opostas. Pode-se ver nisso a pretensão de uma verdade fechada e definitiva, mas pode-se ver também a probidade intelectual de um homem que leva em consideração todas as refutações do seu pensamento.

No pensamento rabínico, a arte da disputa traz o nome de mahloquèt (discussão), palavra que evoca a abertura e o caráter sempre plural das interpretações. O objetivo não é descobrir a verdade, uma vez que serão eliminados todos os erros de raciocínio, mas não fazer uma afirmação sem colocá-la em confronto com outras interpretações. Como forma, o Talmude se apresenta como um discurso irredutivelmente plural, comentários de comentários, turbinas de perguntas, a maior parte das quais continua sem uma resposta unívoca. O princípio de base é que, se Deus é palavra, e já que por essência Deus é infinito, a palavra também o é. O objetivo da disputa não é chegar a uma afirmação pura, mas a uma afirmação aberta, não idolátrica.

Uma vez postas as bases, podemos apresentar a ética do diálogo em torno a três princípios. Etimologicamente, a palavra diálogo evoca o modo em que somos atravessados pela palavra do outro (dia-logos). Para dialogar, é preciso estar em dois, mas é preciso também que cada um esteja disposto a se deixar atravessar pela palavra do outro, o que pressupõe que cada um admita que a sua própria posição pode ser superada. Cloranescreve que o "fanatismo é a morte da conversa. O que se pode dizer a alguém que se recusa a procurar compreender as razões do outro e que, a partir do momento em que não se inclina diante das suas, preferiria morrer ao invés de ceder?". Dizendo com outras palavras com Jean-Pierre Vernant: "Não se discute receitas de cozinha com um antropófago!".

Um caminho comum

O requisito indispensável para o diálogo está na convicção de que nós não possuímos a verdade, mas que ela está diante de nós. Como escrevia Charles Péguy: "Uma grande filosofia não é aquela que profere juízos definitivos, que introduz uma verdade definitiva. É aquela que introduz uma inquietação, que abre para uma transformação". Quando, noEvangelho, Cristo diz que ele é o caminho, a verdade e a vida, esse versículo nos lembra que a verdade é um caminho e que se encontra em uma pessoa, Cristo, e não em uma doutrina. Nós nunca possuímos Cristo, estamos sempre em busca para entender melhor o que significa a sua palavra.

O diálogo se distingue do debate no sentido de que o debate é uma competição, um dos protagonistas vence, e o outro perde, e no sentido de que ambos permanecem nas suas próprias posições. No diálogo, pelo contrário, os dois interlocutores evoluem, porque enriqueceram a sua compreensão do assunto. Um livro africano dizia: "Se eu falo com um homem, e ele não entende, me calo e ouço. Esforço-me para entendê-lo, porque, se consigo entendê-lo, saberei porque ele não me entende".

É a ideia segundo a qual o contrário de uma verdade não é um erro, mas uma estupidez. Mas se o oposto de uma afirmação verdadeira é uma afirmação falsa, o oposto de uma verdade profunda pode ser uma outra verdade profunda.

Definido desse modo, o diálogo é exigente e por isso é tão raro. Corresponde a uma verdade hospitalidade no campo do pensamento. Assim como na hospitalidade, a palavra hóspede significa tanto aquele que recebe, quanto aquele que é recebido, para indicar que ambos, quem acolhe e quem é acolhido, se enriquecem reciprocamente, um verdadeiro diálogo é sempre um caminho comum que desemboca em uma nova compreensão da própria verdade. 

O preço do diálogo

Dan Bar-On, psicólogo israelense que trabalhou pela reconciliação entre os povos na fronteira de Gaza, conta que permitiu um encontro entre um judeu e um palestino que haviam, ambos, perdido um filho durante a guerra. Conseguiram dialogar, mas o resultado daquele encontro foi que ambos se viram marginalizados nas suas respectivas comunidades, tratados como párias no meio dos seus.

Mais dramaticamente, Anouar el-Sadat e Yitzhak Rabbin, que foram homens de paz, que assumiram o risco de dialogar com o adversário, foram ambos assassinados pelos extremistas do seu próprio campo. O problema do nosso mundo é que é muito mais fácil criar um extremista do que um homem do diálogo, um ideólogo do que um espírito crítico. Dito isso, só os homens de diálogo são homens de paz e, como não se pode viver eternamente em conflito, são eles que têm as chaves do futuro.

Jonathan Sacks, grande rabino de Londres, escrevia que, pela memória do passado, devia se lembrar das atrocidades cometidas pelos seus inimigos, mas que, para construir o futuro, o diálogo se impunha como um imperativo moral: "Pelo amor dos meus filhos e dos filhos dos meus filhos que ainda não nasceram, não poderei construir o seu futuro sobre os ódios do passado, nem ensinar-lhes que amem mais a Deus amando menos as pessoas".

Fonte unisinos.com.br

A fé como uma aposta

Falar de Deus aos que não creem

Thomas é um jovem cientista agnóstico que teve a boa ideia de querer se casar com uma filha de pastor. Então, o sogro, depois de algumas discussões que se imaginam como intensas, escreveu uma carta ao futuro genro para "explicar-lhe a fé cristã". Pode-se ler esse pequeno livro ("Lettre à mon gendre agnostique pour lui expliquer la foi chrétienne" [Carta a meu genro agnóstico para explicar-lhe a fé cristã], Ed. Labor et Fides, 2010, 102 páginas) em menos de duas horas, e a forma epistolar torna sua abordagem simpática.

A reportagem é de Marie Lefebvre-Billiez, publicada na revista Réforme, n° 3374, 24-06-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Antoine Nouis começa com um enigma: como é que o cristianismo pôde se difundir tanto assim, já que o seu fundador, Jesus Cristo, morreu jovem, abandonado por todos os seus? Não é necessário levar a sério o testemunho dos seus discípulos que afirmam tê-lo visto novamente vivo depois da morte? Sobre essa base, o pastor reformado propõe uma reflexão em dois tempos: aquilo que a Bíblia diz sobre o homem, com uma análise do relato da Criação e os seus dois personagens emblemáticos, Adão e Eva. E depois aquilo que a Bíblia diz de Deus, aquele absoluto que se "restringiu", para que o homem exista livremente. Por fim, Antoine Nouis propõe a fé como "uma aposta e uma luta". Por isso, lança o desafio de tentar: "O que você arrisca?".

Não encontramos no livro palavras incompreensíveis de teologia, nem afirmações dogmáticas peremptórias. Mas muitas referências aos filósofos e aos teólogos judeus, que põem esse livro em um nível bastante intelectual. Para Guy Belestier, secretário nacional encarregado da coordenação inter-regional para a evangelização da Igreja Reformada francesa, esse livro é "muito denso, rico de coisas sobre as quais se pode refletir e discutir, com narrações interessantes", como por exemplo "as pulgas na orelha do elefante".

Porém, a obra não deve ser separada do seu contexto: "Ela se dirige a uma pessoa já em contato com a religião por meio da futura mulher e do sogro. É a consequência de um diálogo. Dirige-se, portanto, a pessoas que têm o desejo de ir além, de entender e de pôr questões. Não é para não crentes que põem um outro tipo de questões, como 'Por que o mal?'. Não se fala disso".

Segundo Guy Balestier, propôr a fé como uma aposta, exortando a experimentá-la, é uma coisa muito moderna e pertinente para um cientista. Isso põe a problemática em uma dinâmica triangular: compreender, crer, praticar. "Há muitos caminhos diferentes que levam à fé. A frase, bastante evangélica, de 'belonging before believing' (pertencer antes de crer) é um dos tantos possíveis. A pessoa é levada ao caminho da vivência religiosa por uma comunidade que a leva. 'Viva as coisas e você vai ver!'". Entretanto, Guy Balestier adverte: uma pessoa que enfrente esse tipo de percurso terá a necessidade de ser acompanhada, além do livro.

Liberdade revolucionária

É justamente o caso de Estelle, 29 anos, que se define como "uma ateia que se coloca perguntas". Crescida sem nenhuma educação religiosa, não batizada, começou a se questionar no ano passado. Sentia uma "falta de espiritualidade" e fez um retiro de silêncio que lhe permitiu "descer profundamente em mim mesma".

O livro de Antoine Nouis permitiu-lhe aprofundar as suas interrogações. "Principalmente, é estranho viver sem se colocar o problema de saber se há uma outra dimensão além da de trabalhar para ganhar dinheiro e gastá-lo. E, depois, por que existe tantas pessoas na Terra que acreditam? Os ateus são uma minoria! Por muito tempo, pensei que os crentes fossem estúpidos que tinham medo da morte. Com esse livro, me dei conta de que as pessoas não acreditam porque têm medo. É uma coisa muito mais complexa e profunda".

Estelle achou muito interessante o ponto em que se fala da liberdade. "Nós somos livres para fazer erros e de dar as costas para Deus. Por isso, existem pessoas ateis como eu. Isso é revolucionário!". Então, Estelle quis aceitar o desafio. Marcou um encontro com o padre da paróquia mais próxima. Mas ao mesmo tempo "tive medo de subverter os meus costumes, de não ser mais eu mesma, de perder os meus amigos. Não desejo arrastar os outros comigo". Ela pensa no seu companheiro, com o qual vive sem ser casada e do qual está grávida. O bebê, "decidimos não batizá-lo". Porém, ela deseja fortemente "continuar o meu próprio caminho, ir além. Tenho vontade de acreditar. Estou a caminho". Desejamos-lhe uma boa viagem.

Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=33761

Quem conhece a Deus não tortura

Hoje, 26 de junho, comemora-se o "Dia Internacional em Apoio às Vítimas da Tortura", estabelecido pela ONU.

É importante perceber que, a observação da Lei do Amor, proposta por Jesus, tornaria este dia universal e diário por um lado, ou absolutamente desnecessário, por outro lado, na intensidade do reino de Deus praticado. Na regra de ouro, ensinada por Ele, aprendemos que não devemos fazer aos outros o que não desejamos que estes façam a nós. Resumo básico da "Lei e dos Profetas".

A correta interpretação das palavras de Jesus, absorve muitos mandamentos tipo: "Não torturarás". Quem ama não precisa de leis ou ordenanças, como na definição de Santo Agostinho: "Ama e faze o que quiseres".

Quem ama conhece a Deus, na definição dele mesmo.

Luciano Oliveira

O Haiti é aqui

A comparação da situação de diversos municípios de Alagoas com o país centro-americano foi feita por Wellington Santos, pastor da Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió (AL). Desde a sexta-feira, 18, cidades dos Estados de Alagoas e de Pernambuco vivem uma tragédia, com o ambiente transformado num cenário de guerra e um rastro de destruição, causados pelas últimas chuvas.Mesmo que os números ainda não sejam precisos, ficam os relatos da tragédia que levou dezenas de vidas, deixando cidades como Santana do Mundaú e Branquinha totalmente arrasadas e destruídas pelas correntezas. O mesmo aconteceu em Lourenço de Albuquerque, em Rio Largo, Utinga e Murici. “Quanta dor, destruição, tristeza e imensa necessidade!”, lamenta o religioso.
Santos tem claro, porém, de que “o cenário de miséria e pobreza com que nos deparamos não é fruto desta tragédia natural da última sexta-feira, mas resultado de anos de corrupção, desvio de verbas públicas, coronelismo, preguiça e irresponsabilidade eleitoral por parte do povo que escolhe muito mal seus representantes”.
Sem admitir que a culpa fique com a chuva ou a natureza, insiste na crítica aos “maus gestores públicos e, porque não dizer, livrando nossa parcela de culpa, quando fazemos negociatas e ou trocamos nosso precioso voto por ‘favores’ vergonhosos”.
Reginaldo Silva, pastor batista que atua na Organização Não-Governamental (ONG) alemã Kindernothilfe, nesta região do país, manifestou solidariedade aos alagoanos e protestou diante do fato de terem sido vítimas “da tragédia causada, não pelas chuvas, mas pela falta de políticas sociais que não resolve os problemas das ocupações desordenadas, da falta de moradia, de educação ambiental etc. Se observarmos bem, veremos que é a falta destas e de outras coisas que causam tragédias como a mais recente”.
Santos lembrou a música O Haiti é aqui, do compositor Gilberto Gil, destacando os indicadores econômicos do Estado de Alagoas: “42% de analfabetos, 92% da população ganhando até 2 salários mínimos, concentração de renda e de terra, monocultura da cana de açúcar que enriquece uma minoria e empobrece a grande maioria, violência galopante, índices sociais críticos e agora, some-se a tudo isto, 50 mil desabrigados e cidades inteiras destruídas”.
Ele pediu que a população participe na campanha para conseguir colchões, lençóis, toalhas, agasalhos, água potável, cestas básicas, móveis usados, entre bens não perecíveis.
ALC/Notícias Cristãs




SOU ÉTICO! Cito as fontes. Copiado do Site Notícias Cristãs. Link Original: http://news.noticiascristas.com/2010/06/o-haiti-e-aqui-denuncia-pastor-batista.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+NoticiasCristas+%28NOT%C3%8DCIAS+CRIST%C3%83S%29#ixzz0rxrvCF4o
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terça-feira, 22 de junho de 2010

O modo de vida cristão que fala

Em meio a Babel
Por Paulo Brabo

Estocado em Goiabas Roubadas

Na igreja ocidental contemporânea o discurso sobre missões é com frequência dominado pelo desenvolvimento de estratégias. A igreja, impelida por um pragmatismo que é, ele mesmo, definitivo da cultura ocidental, vive buscando aquela estratégia que irá ocasionar a conversão das massas. Se a estratégia certa, se as palavras certas forem encontradas, o reavivamento irá ocorrer. A igreja deve proclamar a mensagem em sua forma original, deixando que seu modo de vida interprete a mensagem.Segundo esse modo de pensar, a boa nova deve ser traduzida para a linguagem da cultura para que se torne acessível, a fim de que as fileiras de uma igreja moribunda sejam engrossadas.


Este artigo procurará demonstrar que estratégias missionais que apresentam o evangelho numa linguagem compreensível para a cultura ocidental estão fadadas ao fracasso. Quando a igreja usa a linguagem da cultura ocidental para proclamar a boa nova, as definições culturais sequestram o significado cristão, sendo que o único resultado possível é um cristianismo cultural. Além disso, a própria noção de linguagem tem perdido significativamente o seu valor na sociedade contemporânea; as tentativas cristãs de pronunciar-se culturalmente representam mera capitulação às estruturas de Babel e sua participação nelas. Portanto, se a igreja ocidental deseja tornar-se missionária, deve aprender a pronunciar-se cristãmente em meio a Babel. Em vez de alterar a mensagem do evangelho, a igreja deve proclamar a mensagem em sua forma original, deixando que seu modo de vida interprete a mensagem.


A mensagem cristã não deve e não pode ser empregada simplesmente a fim de prover aprovação cultural para o modo de vida cristão. Ao contrário, é o modo de vida cristão, aliado à fé no Espírito Santo, que deve prover conteúdo e significado à mensagem cristã. Quando o cristianismo for proclamado dessa forma a igreja estará equipada para revelar um modo de vida novo e radical à cultura ocidental dominada pelos ídolos do capitalismo de livre-mercado e da democracia liberal.



Daniel Oudshoorn

Poser or Prophet

Fonte: baciadasalmas.com

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Ricardo Gondim transformando palavras em sementes

Visitas ao inferno.


Ricardo Gondim


Já visitei o inferno. Estive lá em vida. Já entrei em suas câmaras horrendas diversas vezes. Em todas, padeci muito. Nada sei sobre o "Hades" mencionado pelos religiosos. Aquele que jaz embaixo da terra e começa depois da morte não me interessa. O inferno que já conheci e que me machuca fica aqui mesmo, na terra dos viventes.

Já estive no inferno do engano. Há algum tempo, visitei um parque suíço, em Zurique, para onde convergiam os toxicômanos da cidade. Subi o viaduto que atravessa o parque e do alto contemplei um cenário surreal e dantesco. Lama, lixo e fezes, atolavam rapazes e moças naquele submundo. Ali não existiam humanos, apenas carcaças ambulantes. Naquela mesma noite, no avião, desejei dormir profundamente só para fugir do que testemunhara. Eu preferia qualquer pesadelo a ter que conviver com aquele cenário, tão real. Perguntei-me diversas vezes quem eram aqueles jovens. E porque se revoltavam contra o sistema. Se tentavam ser livres, criaram uma masmorra. Acabaram construindo o inferno com as próprias mãos.

Daquele dia, despertei: o Lago de Enxofre permeia o mundo em que existo. Cada um daqueles jovens tinha um pai. Um pai que pranteia porque não sabe como apagar as labaredas medonhas do lago de enxofre.

Já estive no inferno da culpa. Hoje sei que nenhum tormento provoca maior dor que a culpa. Qualquer mulher culpada sabe o tamanho de sua opressão. Qualquer homem culpado fala que os ossos derretem com uma consciência pesada. Culpa é ácido. A culpa avisa que o passado não pode ser revisitado. Assim as pessoas se submetem a carrascos internos e esperam redenção através de açoites. A dor da culpa lateja como um nervo exposto.

Os culpados procuram dissimular o sofrimento com ativismos, divertimentos e até promiscuidade. Mas a culpa não cede; persegue, persegue, até aniquilar iniciativa, criatividade e esperança. Recordo quando, no final de uma reunião, uma mulher me procurou pedindo ajuda. Seu marido se suicidara de forma violenta. Depois de enroscar uma tira de couro no pescoço, deu partida em um motor, que não só o estrangulou como lhe decepou a cabeça. Mas antes, ele procurou vingar-se. Deixou uma nota responsabilizando a mulher pelo gesto trágico. Diante da tragédia, aquela pobre mulher, desorientada e aflita, não sabia como sair do cárcere que o marido meticulosamente construíra.

Já estive no inferno da maldade. Conheci homens nefastos. Sentei-me na roda de ímpios. Frequentei sessões onde o martelo inclemente da religião espicaçou inocentes. Vi sacerdotes alçando o vôo dos abutres. Semelhante às tragédias shakespeareanas, eu próprio senti o punhal da traição rasgar as minhas vísceras. Fui golpeado por suspeitas e boatos. Com o nome jogado em pocilgas, minha vida foi chafurdada como lavagem de porco. Senti o ardor do inferno quando tomei conhecimento da trama que visava implodir o trabalho que consumiu meus melhores anos. E eu não sabia como reagir.

Portanto, quando me perguntam se acredito no inferno, respondo que não, não acredito. Eu o conheço! Sei que existe. Eu o vejo ao meu redor. Inferno é a sorte de crianças que vivem nos lixões brasileiros. Inferno é o corredor do hospital público na periferia do Rio de Janeiro. Inferno é o campo de exilados em Darfur. Inferno é a vida de meninas que os pais venderam para a prostituição. Inferno é o asilo nos Estados Unidos, que não passa de um depósito onde os velhos esperam a morte.

Um dia, aceitei a vocação de lutar contra esses infernos que me rodeiam, assustam e afrontam. Ensinei e continuo a ensinar que Deus interpela homens e mulheres para que lutem contra suas labaredas. E passados tantos anos, a minha resposta continua a mesma: “Eis-me aqui, envia-me a mim”.

Acordo todos os dias pensando em acabar com os infernos. Gasto a minha vida para devolver esperança aos culpados; oferecer o ombro aos que tentam se reconstruir; usar o dom da oratória para que os discriminados se considerem dignos. Luto para transformar a minha escrita em semente que germina bondade em pessoas gripadas de ódio. Dedico-me ao estudo porque quero invocar o testemunho da história e mostrar aos mansos que só eles herdarão a terra onde paz e justiça se beijarão.

Soli Deo Gloria

18-06-10

Fonte: ricardogondim.com.br

Ateísmo ético

Saramago por Leonardo Boff


Saramago se considerava ateu, mas de um ateísmo muito particular. Entendia o "fator Deus" como veiculado pelas religiões e pelas Igrejas como forma de alienação das pessoas. Seu ateísmo era ético, negava aquele "Deus" que não produzia vida e não anunciava a libertação dos oprimidos.

Essa compreensão pude discuti-la pessoalmente num encontro em 2001, na Suécia. Ele viera a Estocolmo para um encontro de todos os portadores do Nobel. Eu lá estava, pois fora indicado para o prêmio The Right Livelihood Award. Convidou a mim e à minha companheira Márcia para um jantar. Foi um festim de espiritualidade mais do que de literatura. Levei-lhe um livro de contos indígenas, O Casamento do Céu com a Terra, e para a sua esposa Pilar um outro, Espiritualidade: Caminho de Realização. Ele logo foi dizendo: "quero o livro de espiritualidade, pois pretendo me aprofundar neste tema".

Falamos longamente sobre religião, Deus e espiritualidade. Negava a religião, mas não a espiritualidade como sentimento do mistério do mundo, da profundidade humana e do amor aos oprimidos. Mostrou sua admiração pela Teologia da Libertação por fazer do "fator Deus" uma força de superação da miséria humana. Fomos madrugada adentro, já em seu quarto de hotel, como se fôssemos velhos amigos.

O e-mail a seguir revela a experiência espiritual que juntos vivenciamos:

"Querido Leonardo, querida Márcia: para nós, o grande acontecimento em Estocolmo foi ter-vos conhecido. Não exageramos. (...) O tempo que estivemos juntos foi um banho para o espírito. Quem dera que em breve surja outra ocasião. Os anos são todos terríveis para aqueles para quem a vida é terrível. Às vezes as coisas correm melhor no mundo e isso leva-nos a pensar que estamos em paz, mas o mesmo não poderiam dizer os milhões de seres humanos cujas opiniões contam tão pouco que praticamente não se dá por elas. E se de alguma maneira chegam a manifestar-se, os modos de as silenciar, não faltam. O vosso trabalho cria e reforça consciências livres ou em processo de libertação. (...)".

Ganhamos um amigo e a fé me diz que ele agora mergulhou naquele Mistério de amor que sempre buscou.

LEONARDO BOFF É TEÓLOGO E ESCRITOR

Fonte: reinoutopico.blogspot.com

O tempo voa

Sérgio Pavarini


“Quem sabe o que é bom para o homem, nos poucos dias de sua vida vazia, em que ele passa como uma sombra?”

Eclesiastes 6.12 – NVI

O poeta romano Virgílio usou pela primeira vez nas Geórgicas a expressão tempus fugit, que significa “o tempo foge”. A Bíblia também contém várias metáforas que tentam descrever e enfatizar a brevidade de nossa existência. Mesmo assim, muitas vezes o timão do nosso barco não está nas mãos divinas e os ventos das circunstâncias nos deixam ao sabor das ondas bravias.

Imagine o total de horas que você vai passar neste planeta. Se você calcular o tempo dedicado a várias atividades, descobrirá que talvez gastará um tempo maior no trabalho do que com a própria família. É um dado que não pode ser desprezado, afinal não teremos nova chance de começar tudo outra vez e vivermos de forma mais consciente.

Se você já trabalhou em outra empresa, consegue avaliar qual foi a sua herança do tempo que esteve lá? Freqüentemente, não conseguimos sequer manter a amizade com pessoas que passaram o dia todo ao nosso lado durante muito tempo. Se os relacionamentos são superficiais, as habilidades profissionais que obtivemos por vezes são ainda menos palpáveis. Às vezes só nos damos conta disso quando estamos desempregados.

Quem trabalha em uma livraria vive em meio a um manancial de conhecimento em diversas áreas. Mesmo assim, há quem morra de fome dentro do supermercado. Os livros estão ao alcance das mãos, mas a alma nunca é alimentada. Como apregoava uma antiga campanha que preparei, “quem lê sabe mais”. E não só isso: conquista melhores empregos, obtém notas melhores no vestibular, se expressa com mais facilidade e sempre terá chances maiores de destaque em quaisquer áreas.

Há grandes redes de livrarias que não apenas estimulam, mas estabelecem metas de leitura para seus funcionários. Quem não conhece o que comercializa e não sabe fazer indicações corretas para os consumidores, é dispensado. Do ponto de vista profissional, esse tipo de demissão é menos nocivo do que permitir que alguém passe anos em uma empresa sem aprimorar suas habilidades.

O futuro que você não ousou sonhar pode estar ao alcance de suas mãos nas estantes ou nas gôndolas do lugar em que trabalha. “Sempre imaginei o paraíso como uma grande biblioteca”, disse o escritor argentino Jorge Luis Borges. Esqueça as desculpas e comece hoje mesmo a buscar inspiração para compor as próximas páginas de sua história. “Há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu.” Creia nisso.
 
Fonte: PAVABLOG