sábado, 26 de junho de 2010

O preço do diálogo e do perdão


O diálogo, uma relação exigente

"O problema do nosso mundo é que é muito mais fácil criar um extremista do que um homem do diálogo, um ideólogo do que um espírito crítico. Dito isso, só os homens de diálogo são homens de paz e, como não se pode viver eternamente em conflito, são eles que têm as chaves do futuro."

A opinião é de Antoine Nouis (foto), pastor da Igreja Reformada Francesa, em artigo publicado na revistaRéforme, n° 3374, 24-06-2010. A tradução é deMoisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O Talmude relata que dois grandes mestres do judaísmo, rabinos Yohanan e Resh Lakish, tinham o hábito de estudar juntos. Quando o segundo morreu, propuseram ao rabino Yohanan que tivesse o rabinoÉlazar como companheiro de estudos. Nos seus diálogos, este último aprovava tudo o que o rabino Yohanan dizia e levava também novas provas em defesa do que dizia. O rabino Yohanan disse: "Você não é de nenhuma utilidade para mim! Resh Lakish trazia 24 objeções ao que eu afirmava e me obrigada a lhe dar 24 respostas. Então, o nosso ensinamento comum era enriquecido. O estudo com você não me dá nada". Segundo esse apólogo, o objetivo do estudo não é descobrir a verdade, mas ir sempre além na busca dos seus argumentos.

Encontramos duas grandes tradições intelectuais que são fundadas no diálogo: a maiêutica socrática e a controvérsia rabínica.

A ética do diálogo

Para Sócrates, o objetivo do diálogo é se libertar de todos os raciocínios errados para chegar a um pensamento rigoroso. Um dos seus descendentes, Aristóteles, estabeleceu as regras da lógica que permitem qualificar a qualidade de um raciocínio. Encontramos um fruto desse método na Suma Teológica de Tomás de Aquino, que não expressa uma proposição sem citar e responder a todas as objeções que lhe podem ser opostas. Pode-se ver nisso a pretensão de uma verdade fechada e definitiva, mas pode-se ver também a probidade intelectual de um homem que leva em consideração todas as refutações do seu pensamento.

No pensamento rabínico, a arte da disputa traz o nome de mahloquèt (discussão), palavra que evoca a abertura e o caráter sempre plural das interpretações. O objetivo não é descobrir a verdade, uma vez que serão eliminados todos os erros de raciocínio, mas não fazer uma afirmação sem colocá-la em confronto com outras interpretações. Como forma, o Talmude se apresenta como um discurso irredutivelmente plural, comentários de comentários, turbinas de perguntas, a maior parte das quais continua sem uma resposta unívoca. O princípio de base é que, se Deus é palavra, e já que por essência Deus é infinito, a palavra também o é. O objetivo da disputa não é chegar a uma afirmação pura, mas a uma afirmação aberta, não idolátrica.

Uma vez postas as bases, podemos apresentar a ética do diálogo em torno a três princípios. Etimologicamente, a palavra diálogo evoca o modo em que somos atravessados pela palavra do outro (dia-logos). Para dialogar, é preciso estar em dois, mas é preciso também que cada um esteja disposto a se deixar atravessar pela palavra do outro, o que pressupõe que cada um admita que a sua própria posição pode ser superada. Cloranescreve que o "fanatismo é a morte da conversa. O que se pode dizer a alguém que se recusa a procurar compreender as razões do outro e que, a partir do momento em que não se inclina diante das suas, preferiria morrer ao invés de ceder?". Dizendo com outras palavras com Jean-Pierre Vernant: "Não se discute receitas de cozinha com um antropófago!".

Um caminho comum

O requisito indispensável para o diálogo está na convicção de que nós não possuímos a verdade, mas que ela está diante de nós. Como escrevia Charles Péguy: "Uma grande filosofia não é aquela que profere juízos definitivos, que introduz uma verdade definitiva. É aquela que introduz uma inquietação, que abre para uma transformação". Quando, noEvangelho, Cristo diz que ele é o caminho, a verdade e a vida, esse versículo nos lembra que a verdade é um caminho e que se encontra em uma pessoa, Cristo, e não em uma doutrina. Nós nunca possuímos Cristo, estamos sempre em busca para entender melhor o que significa a sua palavra.

O diálogo se distingue do debate no sentido de que o debate é uma competição, um dos protagonistas vence, e o outro perde, e no sentido de que ambos permanecem nas suas próprias posições. No diálogo, pelo contrário, os dois interlocutores evoluem, porque enriqueceram a sua compreensão do assunto. Um livro africano dizia: "Se eu falo com um homem, e ele não entende, me calo e ouço. Esforço-me para entendê-lo, porque, se consigo entendê-lo, saberei porque ele não me entende".

É a ideia segundo a qual o contrário de uma verdade não é um erro, mas uma estupidez. Mas se o oposto de uma afirmação verdadeira é uma afirmação falsa, o oposto de uma verdade profunda pode ser uma outra verdade profunda.

Definido desse modo, o diálogo é exigente e por isso é tão raro. Corresponde a uma verdade hospitalidade no campo do pensamento. Assim como na hospitalidade, a palavra hóspede significa tanto aquele que recebe, quanto aquele que é recebido, para indicar que ambos, quem acolhe e quem é acolhido, se enriquecem reciprocamente, um verdadeiro diálogo é sempre um caminho comum que desemboca em uma nova compreensão da própria verdade. 

O preço do diálogo

Dan Bar-On, psicólogo israelense que trabalhou pela reconciliação entre os povos na fronteira de Gaza, conta que permitiu um encontro entre um judeu e um palestino que haviam, ambos, perdido um filho durante a guerra. Conseguiram dialogar, mas o resultado daquele encontro foi que ambos se viram marginalizados nas suas respectivas comunidades, tratados como párias no meio dos seus.

Mais dramaticamente, Anouar el-Sadat e Yitzhak Rabbin, que foram homens de paz, que assumiram o risco de dialogar com o adversário, foram ambos assassinados pelos extremistas do seu próprio campo. O problema do nosso mundo é que é muito mais fácil criar um extremista do que um homem do diálogo, um ideólogo do que um espírito crítico. Dito isso, só os homens de diálogo são homens de paz e, como não se pode viver eternamente em conflito, são eles que têm as chaves do futuro.

Jonathan Sacks, grande rabino de Londres, escrevia que, pela memória do passado, devia se lembrar das atrocidades cometidas pelos seus inimigos, mas que, para construir o futuro, o diálogo se impunha como um imperativo moral: "Pelo amor dos meus filhos e dos filhos dos meus filhos que ainda não nasceram, não poderei construir o seu futuro sobre os ódios do passado, nem ensinar-lhes que amem mais a Deus amando menos as pessoas".

Fonte unisinos.com.br

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