segunda-feira, 21 de junho de 2010

Ateísmo ético

Saramago por Leonardo Boff


Saramago se considerava ateu, mas de um ateísmo muito particular. Entendia o "fator Deus" como veiculado pelas religiões e pelas Igrejas como forma de alienação das pessoas. Seu ateísmo era ético, negava aquele "Deus" que não produzia vida e não anunciava a libertação dos oprimidos.

Essa compreensão pude discuti-la pessoalmente num encontro em 2001, na Suécia. Ele viera a Estocolmo para um encontro de todos os portadores do Nobel. Eu lá estava, pois fora indicado para o prêmio The Right Livelihood Award. Convidou a mim e à minha companheira Márcia para um jantar. Foi um festim de espiritualidade mais do que de literatura. Levei-lhe um livro de contos indígenas, O Casamento do Céu com a Terra, e para a sua esposa Pilar um outro, Espiritualidade: Caminho de Realização. Ele logo foi dizendo: "quero o livro de espiritualidade, pois pretendo me aprofundar neste tema".

Falamos longamente sobre religião, Deus e espiritualidade. Negava a religião, mas não a espiritualidade como sentimento do mistério do mundo, da profundidade humana e do amor aos oprimidos. Mostrou sua admiração pela Teologia da Libertação por fazer do "fator Deus" uma força de superação da miséria humana. Fomos madrugada adentro, já em seu quarto de hotel, como se fôssemos velhos amigos.

O e-mail a seguir revela a experiência espiritual que juntos vivenciamos:

"Querido Leonardo, querida Márcia: para nós, o grande acontecimento em Estocolmo foi ter-vos conhecido. Não exageramos. (...) O tempo que estivemos juntos foi um banho para o espírito. Quem dera que em breve surja outra ocasião. Os anos são todos terríveis para aqueles para quem a vida é terrível. Às vezes as coisas correm melhor no mundo e isso leva-nos a pensar que estamos em paz, mas o mesmo não poderiam dizer os milhões de seres humanos cujas opiniões contam tão pouco que praticamente não se dá por elas. E se de alguma maneira chegam a manifestar-se, os modos de as silenciar, não faltam. O vosso trabalho cria e reforça consciências livres ou em processo de libertação. (...)".

Ganhamos um amigo e a fé me diz que ele agora mergulhou naquele Mistério de amor que sempre buscou.

LEONARDO BOFF É TEÓLOGO E ESCRITOR

Fonte: reinoutopico.blogspot.com

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