sábado, 24 de julho de 2010

"A alegria do cheiro de um livro" Oswaldo Siciliano




O presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), e fundador da rede de livrariasSicilianoOswaldo Siciliano, faz uma análise do mercado do livro no Brasil em entrevista para a Gazeta Mercantil, 30-10-06. Segundo ele, o País, com seus 180 milhões de habitantes, tem um número muito pequeno de leitores — 26 milhões, quando comparado à França, Espanha, Itália, entre outros.
 Como o senhor analisa o mercado editorial hoje?
Com o fim da cobrança, a partir de 21/12/2004, das taxas do PIS/Confins, muitos empresários do livro tiveram a oportunidade de melhorar um pouco a situação financeira de suas empresas no decorrer de 2005. Algumas editoras conseguiram melhorar e ampliar o número de títulos e conseguiram inclusive, introduzir algumas coleções de bolso para vender livros a preço mais acessível. Além disso, as livrarias hoje usam o mesmo sistema de crediário usado para comprar uma televisão — no cartão em até cinco vezes, sem acréscimo.
Aumentou a venda de livros?
O grande problema é o seguinte: o preço de capa do livro está na razão direta de produção em escala. Hoje, no Brasil, as primeiras tiragens continuam de 2 a 3 mil exemplares e isso faz com que o custo fique mais alto. Depois da extinção do PIS/Confins, no primeiro ano, os livros não baixaram de preço. Em 2006, embora os livros não tenham mais aumentado seu preço e alguns até, a partir de junho deste ano, começaram a baixar, o aumento de vendas não ocorreu.
 Qual a explicação para isso?
Na realidade, o preço não é o grande inibidor do mercado, mas sim a falta do hábito da leitura. É na educação que está o problema. A educação tem que se amoldar, dentro dos tempos modernos, aos idos das décadas de 1940 e 1950, quando nas escolas havia aulas de leitura e se lia junto com a professora. É dessa forma que se aprende a gostar de ler, se adquire o hábito. Respeitamos a modernidade, queremos evoluir, mas vamos usar aquilo deu certo no passado. Acabaram com essas aulas e o resultado é esse que vemos: jovens de 15, 20 anos que não sabem nem mesmo o que significa a palavra eficaz.
 O que pode ser feito?
É aí que entra a responsabilidade do governo e agora os ministros da Educação e da Cultura chegaram à conclusão de que temos de trabalhar juntos. Desenvolver o hábito da leitura e assim vender mais livros é um trabalho demorado, de 10, até 20 anos, mas deve ser feito.
 Como a CBL e outras entidades ligadas ao livro estão trabalhando para mudar essa situação?
Recentemente foi criado o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), uma política de estado para garantir a todos o acesso ao livro e à leitura, com a nossa participação. Participamos também do Manifesto do Povo do Livro, que entre suas propostas prevê a revitalização de bibliotecas públicas a partir de 2007. Esse foi e ainda está sendo um grande trabalho. Por ocasião da campanha política, entregamos o manifesto a todos os candidatos. Hoje e amanhã, aqui na sede da CBL, estarão reunidos presidentes de diversas entidades ligadas ao setor para conversar e traçar metas conseguir pelo menos cinco milhões de assinaturas, anexar ao manifesto e tornar a entregá-lo ao presidente. Nós temos um excelente parque industrial, vendemos aviões, assim precisamos de uma juventude que possa usufruir e obter bons empregos e isso só será possível com estrutura educacional bem feita.
Como isso pode ser feito?
Nós queremos uma política de estado, não é porque hoje sou presidente e amanhã é a senhora, que o meu trabalho vai ser jogado fora, que é o que tem acontecido. Repito: no sentido de educação e cultura tem que haver uma política de estado com uma projeção mínima de 20 anos, e daqui esse tempo se faz uma nova porque o mundo será outro, mas no momento esta é a política na qual nós acreditamos e a responsabilidade é do governo em todas as suas esferas.
 Voltando ao tema da dificuldade em se vender livros no Brasil, o senhor acha que a disponibilização de livros na internet atrapalha ainda mais as vendas?
A internet não atrapalha. A tecnologia é muito bem-vinda para transmitir notícias com rapidez, nós somos defensores dela, mas não há substituição para este produto que se chama livro. Só o cheiro dele, do papel, já é uma alegria. Se me dessem esse “aparelhinho” para leitura (o e-book) eu não iria querer.
Já se percebe a atuação da tecnologia e algum resultado para o mercado editorial?
Ainda são poucas as editoras que disponibilizam conteúdo na internet. Sei apenas de duas — Senac e Calis — que firmaram contrato com o site de busca Google, e outro dia eu li que essas editoras se sentiam satisfeitas. A maior parte dos editores tem receito que o terreno seja escorregadio, pois levar um tombo e se reerguer é difícil. Até mesmo as editoras que pertencem a universidades — temos cerca de 120 — não chegaram a uma conclusão e ainda se resguardam.
 No caso da internet a maior preocupação é com o direito autoral?
É esse o grande problema, o respeito ao autor da obra, que é sagrado, pelo menos no regime em que vivemos. Um autor para escrever um livro seja qual for o gênero, leva um ano, até cinco anos. Alguns autores passaram grande parte da vida para fazer um livro. Essas empresas de internet têm um envolvimento muito grande no mundo dos negócios e, lamentavelmente, em grande parte dos países do mundo, a atividade do escritor é sacrificada.
Alguma vantagem da internet?
A internet é boa para as bibliotecas, que tornam mais fácil o acesso de conteúdo ao público em geral. Até aí tudo bem. É bom que autores como Saramago fez recentemente, entreguem seu acervo para grandes bibliotecas, assim as grandes massas poderão ter contato com a leitura.
 Qual a receptividade do livro brasileiro no exterior?
É boa. Jorge Amado e Paulo Coelho são traduzidos para várias línguas. Ziraldotambém faz sucesso, assim como Maurício de Souza. As grandes feiras como a de Frankfurt, Guadalajara, Espanha e Estados Unidos são bons canais de intercâmbio. A participação brasileira infelizmente é pequena, porque participar dessas feiras é muito custoso e nós temos tido apoio restrito por parte do governo. Só para estarmos na maior feira de livros do mundo, em Frankfurt, que contou com 41 editoras brasileiras, foram gastos R$ 250 mil. Na Espanha, por exemplo, onde participamos recentemente do Congresso de Editores Ibero-americanos, ficamos surpresos com a qualidade do evento, que tem entre 70% e 80% de patrocínio do governo espanhol.

Fonte: unisinos.com.br

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