domingo, 23 de agosto de 2009

MPB: Deus inspira fora dos guetos gospel.

MPB nossa de cada dia nos dá hoje!

Era pra ser uma resposta a algumas cartas. Mas são muitas as cartas criticando-me por gostar de MPB. Resolvi escrever um artigo… assim é melhor… respondo as cartas e ainda escrevo um pouco daquilo que gosto e penso.

Sinceramente, não dá pra entender o ódio mortal que alguns cristãos sentem em relação a nossa Musica Popular Brasileira. Ou melhor, dá pra entender sim… esse pensamento é o simples reflexo de um povo que foi “colonizado” espiritualmente por uma mentalidade estadunidense-européia e hoje sofre nas mãos dos “brasileiríssimos” apóstolos da “teologia do gueto” (aquela que afirma que tudo de fora é do diabo e tudo de “dentro” é de Deus).

Quanto à música, então, nem se fala! Música que não louva a Deus, é do diabo!

Meu Deus!!! De onde tiraram essa idéia? Onde ficam a poesia, a arte, a beleza, o romantismo? Será que estamos mesmo fadados a sermos reféns das rádios evangélicas e suas “maravilhosas” canções românticas? Será que só poderemos ouvir a “poesia” dos mantras repetitivos e infindáveis? Não poderemos mais ouvir os nossos chorinhos lindos e estaremos à mercê dos chorões de auditório? Será que o meu Brasil-brasileiro-mulato-branco-moreno-e-negro cairá sob a bandeira de Israel e seus shophares mágicos?

A implicância com a música brasileira ao meu ver tem dois motivos, ambos impregnados na mente de nosso povo e já considerados como “doutrina bíblica” por muitos.

O primeiro motivo é por ser… “música”. Como assim?

Há algum tempo atrás surgiu uma “doutrina”, dessas que surgem de vez em quando e fazem aquele estrago imenso, onde se dizia que Lúcifer era “ministro de louvor” no céu, daí entender tanto de música e saber usar a seu favor essa maravilhosa arte. Logo, a música que não era pra louvar a Deus, só poderia ter outra fonte: o gramunhão! Daí rejeita-se QUALQUER coisa que não tenha o rótulo de “evangélico” e, mais recentemente, o melhor dos rótulos: “gospel” (assim acaba de vez qualquer tentativa de ser brasileiro).

Essa idéia errônea atribui mais poder ao diabo do que a Deus. Ora, Deus é criador de tudo e tudo o que é realmente belo vem dEle, é o que se chama na teologia de “graça comum” (é claro que o conceito de graça comum é bem mais amplo, mas fiquemos aqui na beleza…). Não há beleza que não venha de Deus. Lembro-me de uma música do MILAD, em seu álbum “Retratos de Vida”. A música chama-se “Platéia” (Toninho Zemuner – Alexandre Rocha) e diz:

“Pra começo de história
Entre acordes e tons,
Onde Chicos e Miltons
Fazem os sons…
(…)
Ah! Se todos soubessem
De onde vêm esses dons,
(…)
A fonte é Deus,
Essa fonte de vida…”

Essa “teologia” ainda foi mais fomentada quando Raul Seixas deslanchou com “Rock do Diabo”, onde afirmava que “o diabo é o pai do rock”. Quanta ingenuidade a nossa!!! Estamos fazendo com a música a mesma coisa que fizemos com o arco-íris, entregando coisas divinas ao movimento gay e à Nova Era como se realmente o arco-íris fosse um sinal diabólico, totalmente contrário aos planos de Deus. Ignorância! Ignorância Bíblica! A única coisa que o diabo conseguiu ser pai é da mentira (João 8.44) e é exatamente em sua especialidade que ele coloca na mente dos cristãos que tudo o que não é da IGREJA não é de DEUS.

Mas isso também depende dos “frutos” (entenda-se aqui frutos como propaganda, marketing, e principalmente LUCRO). Até pouco tempo atrás futebol era uma coisa do diabo. Isso até os mais famosos jogadores se dizerem evangélicos e aí os pastores, ávidos por aparecerem na mídia ao lado de seus fiéis… sacralizaram o que até então era diabólico. Hoje ninguém mais comenta que futebol é do diabo e que a bola é o “ovo do capeta”. Deixou de ser há muito tempo, desde quando começou a trazer frutos e dividendos pro “Reino”.

Em tempo: não sou contra o futebol. Pelo contrário!!! Sofro como flamenguista; gosto de bater uma pelada com amigos; de ir ao Maracanã quando dá tempo torcer pro Mengão; em épocas de copa do mundo, paro pra assistir todos os jogos do Brasil, e como bom brasileiro estou torcendo desde já pelo hexa da nossa seleção.

Pois bem, o diabo nunca foi ministro de louvor no céu (só se isso fizer parte de algum livro apócrifo), e o máximo que ele pode fazer é deturpar aquilo que Deus criou, mas nunca ser pai de alguma coisa. A música é um presente de Deus à humanidade, que pode ser utilizada em seu louvor, como também simplesmente para demonstrar sentimentos belos como o amor, a saudade, o carinho, sonhos, etc.

Essa idéia faz com que a música seja olhada como a pior arte, arte exclusiva de Satanás. Não vejo ninguém recriminando um filme, uma poesia, uma escultura, uma exposição de quadros… tudo isso é arte. Só não pode haver música!!! Se houver música, na cabeça de muitos, a coisa passa a ter um outro dono: o diabo. Todas as outras artes podem ser apreciadas, sem problema algum, menos a música. Santa ignorância! Santa hipocrisia!

É claro (e é aqui que está o cerne da questão) que há a boa música e a música ruim. Não dá pra ter prazer ouvindo “Vem Tchutchuca, vem aqui pro seu tigrão” ou “Hoje é festa lá no meu apê… vai rolar bundalelê”. Mas não podemos julgar o todo pela parte ruim. Há música ruim na MPB? Claro que há! O que faço? Não ouço! É simples… Há música boa na MPB? Claro que há! O que faço? Ouço… e louvo a Deus por ter dado ao homem (mesmo o que ainda não O conhece pessoalmente) essa capacidade “divina” de harmonizar letra e música, verbo e melodia… isso é dom de Deus!!! Não vem do diabo, como muitos querem.

Experimente ouvir de coração aberto “Toada” (Boca Livre); “Sapato Velho” (Roupa Nova); “Aquarela” (Toquinho); “Eu Sei que Vou Te Amar” (Vinícius); “Sucedeu Assim” (Tom Jobim); “Vieste” (Ivan Lins) e muitas outras músicas lindas de nossa MPB e você entenderá o que estou dizendo…

E outra questão precisa ser levantada. Há música boa no meio evangélico? Claro que há! O que faço? Canto, toco, ensino nas igrejas, etc… Há muita porcaria no meio evangélico? Claro que há! O que faço? Não ouço e nem recomendo. É simples também! E ainda cabe alertar o povo de Deus contra o engano desses “senhores de gravadoras” que comandam o mercado gospel e enfiam goela abaixo os seus queridinhos e suas músicas “de Deus”.

Portanto, antes de “julgarmos” os de fora, julguemos a nós mesmos. Nossa qualidade musical, conteúdo, as maracutaias no meio “gospel”, a máfia das rádios evangélicas e de seus donos-sempre-candidatos-políticos, o uso do nome de Deus em vão para enriquecer pilantras e enganar o povo, etc…

A segunda questão que creio ser fundamental para a não aceitação da MPB por parte de alguns evangélicos é o simples fato de ser… Brasileira! A igreja evangélica no Brasil tem a péssima mania de só considerar sacro o que “vem de fora”. Há a rejeição latente aos ritmos brasileiros, a miscelânea cultural que é a nossa pátria tupiniquim.

Instrumentos de origem africana são quase sempre associados aos cultos do candomblé, a riqueza de sons e ritmos é sempre associada ao folclore, ao popular, e a arte popular é profana… indigna de se cantar “pra Deus”.

É comum em casamentos, processionais, recessionais, e outros momentos “instrumentais” em igrejas as grandes composições de Bach, Beethoven, Haendel… mas não há espaço pra Carlos Gomes, Villa-Lobos, Waldemar Henrique, Radamés Gnattali, entre outros…

A música genuinamente brasileira é sempre olhada de lado. Bom mesmo é o que vem de fora… que nos sirvam de provas os grandes hits do “louvor brasileiro” que em sua maior parte é composta de versões do Hosanna Music, Hilsong Church, Michael W. Smith, etc. Não estou dizendo que isso não possa acontecer. Há músicas boas que podem, e devem ser traduzidas, mas por que tanto preconceito com o que vem de dentro de nosso solo, da mãe gentil e pátria amada? Por que João Alexandre, Jorge Camargo, Nelson Bomilcar, Carlos Sider, Carlinhos Veiga, Atilano Muradas, Arlindo Lima, Sérgio e Marivone (Baixo & Voz), Gláucia Carvalho e outros tantos não são conhecidos da grande maioria dos evangélicos brasileiros? Falta de talento e inspiração? Não!!! Falta de vergonha das nossas rádios e dos mega-empresários da fé. Falta de vergonha de uma igreja que nunca chegou a ser brasileira de fato.

Nossas raízes européias e estadunidenses devem ser respeitadas. Foram eles que atravessaram mares para nos pregar o Evangelho da graça. Mas somos brasileiros. Em nosso corpo e em nossa mente há uma ginga inegável, um requebrar sadio que não se contem ao som dos tambores, atabaques, violas, violões, cavaquinhos, e tantos outros instrumentos.

Voltando ao nosso assunto (MPB). A lógica que cabe no meio “gospel” também serve para a nossa cultura. Somos sempre tentados a não valorizar o que temos de bom. Temos poetas maravilhosos, compositores fenomenais em nossa MPB e em nome de uma fé totalmente equivocada desperdiçamos a chance de crescermos como brasileiros, como músicos, como poetas ao nos recusarmos a ouvir o que há de bom do lado “de fora” do nosso gueto.

Que reconheçamos em todas as coisas belas, e até mesmo na boa MPB, traços do criador, resquícios da imagem de Deus ali pulsantes em alguém criado à sua imagem e semelhança. Creio firmemente que Deus não punirá aqueles que ouvem a boa música brasileira, européia, estadunidense, africana… Ele ainda é Senhor de todas as coisas, mesmo que muitos dos que se dizem seus “filhos” não queiram…

José Barbosa Junior

Fonte: CRER E PENSAR

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