quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Pregar o evangelho contando histórias e construindo relações

Narrando Deus em uma sociedade pós-metafísica

Maria Clara Bingemer

Depois de anunciada a morte de Deus pelo filósofo Friedrich Nietzsche, no século XIX, o Ocidente passou a viver sob a suspeita de que essa morte iria mesmo acontecer. As religiões tradicionais de matriz cristã entraram em crise, e perderam não só a hegemonia quantitativa de que desfrutavam como perderam o poder de configurar comportamento e valores da sociedade onde estão situadas. Ao mesmo tempo uma selvagem sede de transcendência começou a emergir, desmentindo que Deus houvesse morrido. A configuração tradicional das religiões e sobretudo do cristianismo histórico mudou radicalmente, mas a pergunta por Deus e sobretudo a sede de Deus continuava intacta.
A questão que permaneceu então passou a ser como re-construir o pensar e o falar sobre Deus em uma sociedade passada pelo crivo racionalizante da modernidade e pela fragmentação da chamada pós-modernidade. As profundas transformações socioculturais que caracterizam a sociedade atual como sociedade pós-metafísica vêm “transformando profunda e radicalmente não só a idéia de Deus na cultura contemporânea”, mas também as condições e possibilidades do discurso e narrativa de Deus no contexto hodierno. Essa realidade coloca em questão as possibilidades e, também, o significado e relevância do discurso teológico na sociedade em que vivemos na forma como tem se desenvolvido até o presente momento.
Talvez o problema seja que não se trata mais tanto de pensar especulativamente sobre Deus como se fazia na metafísica e na teologia clássicas, mas de narrar a “história” de Deus revelado na história humana. Esta questão e esta situação lançam o desafio de uma ampla abordagem acadêmica do tema, numa descrição crítica e analítica da problemática e de sua configuração, em confronto com as ciências e com o cenário pluri-religioso e pluri-cultural em que se situa. É este desafio que a UNISINOS e a PUC - Rio, duas importantes universidades confessionais do Brasil, enfrentam durante a próxima semana. Nelas acontecerá simultaneamente o simpósio internacional denominado “Narrar Deus em uma sociedade pós-metafísica. Possibilidades e impossibilidades.” O tema será abordado em uma perspectiva transdisciplinar, mediante a contribuição de especialistas de diversas áreas da pesquisa científica, tais como: Teologia, Ciências da Religião, Ciências Sociais e Políticas, Filosofia, Letras, Antropologia, Direito, Educação, Psicologia, Astrofísica, Cosmologia.
Acompanhar este diálogo plural e fascinante é o desafio lançado a todos aqueles e aquelas que pensam as questões últimas do sentido da vida, da origem e do fim da vida humana, e se deixam tocar, no fundo mais profundo de si mesmos, pelo mistério santo que ao mesmo tempo em que inatingível e imanipulável se faz próximo e se revela com rosto humano em meio às vicissitudes da história. A partir desse simpósio espera-se que se possam dar passos no sentido de re-descobrir o cristianismo como evento e evangelho (boa notícia) que deve ser narrada antes que pensada, experimentada antes que articulada segundo parâmetros científicos e rigorosos. Narrar Deus significa em última análise, narrar a história da experiência humana de Deus.
Significa, em suma, fazer o que Jesus de Nazaré fazia: narrar histórias aos seus contemporâneos. E narrá-las usando os elementos que compunham a vida dos mesmos que o ouviam. Os quais, por causa disso mesmo, ficavam absolutamente encantados e seduzidos por suas palavras. Testemunhando com sua vida aquilo que narrava em parábolas que falavam de grão, de peixe, de semente, de árvore, de tudo aquilo que fazia o imaginário de uma sociedade agrária e pré-técnica, Jesus revelou a homens e mulheres de seu tempo que Deus não é apenas um monarcas distante e inacessível, mas Pai amoroso e Esposo apaixonado cujo coração vibra amorosamente ao ritmo das alegrias e angústias daqueles a quem encontra em seu caminho. Narrar Deus em uma sociedade pós-metafísica: o caminho é simples e grandioso como o de Jesus de Nazaré. Contar histórias acessíveis a todos e amar gratuitamente, construindo relações de partilha, solidariedade, carinho e cuidado.

fonte: amaivos.uol.com.br

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