Amor ou farisaísmo?
Braulia Ribeiro
Não é fácil separar farisaísmo de amor verdadeiro; mera religião, de fé; medo, de coragem profética.
Tenho fé, aquela certeza interior da limitação da minha humanidade, e da grandeza de Deus. Sei que apesar de sua sublimidade posso me relacionar com Ele de uma maneira pessoal. A fé bíblica não é apenas um consentimento intelectual com as verdades do evangelho, mas relacionamento com o alvo de minha fé é essencial. A fé verdadeira também demanda um compromisso da vontade com as conclusões a que chega minha mente. Torno-me uma realização viva das verdades que creio.
No mundo de hoje no entanto os pressupostos da crença em Deus valem menos do que as emoções que a crença me traz. E estas emoções contraditoriamente são geradas por coisas que não tem nada a ver com Ele. A rigidez cultural da religião me traz muito mais conforto emocional do que seguir o Espírito. Fica complicado exercer uma fé simples porque as emoções humanas são sempre complexas. Jesus me faz tão bem... Como a chocolate, pimenta ou sexo, Jesus se tornou um estimulador da produção de endorfinas. Com esta lógica deixo de ter parâmetros para julgar minha fé. Tudo o que me faz bem deve ser produto de fé. As músicas cantadas hoje na maioria das igrejas só se referem a Deus em relação a mim e minhas emoções, portanto meu subconsciente conclui que tudo no universo gira em torno de mim.
O Espírito Santo paciente, no seu papel de me alertar, me diz que não é assim, e que não preciso me sentir bem, com qualquer coisa o tempo todo. Me mostra que a fé não necessariamente deve me fazer feliz mas sim me gerar uma paz não compreendida pela razão. Me questiono ao julgar decisões ou adotar posturas se o faço por dogmatismo cômodo, por mero conforto emocional, medo ou por convicção real. Não é fácil separar farisaísmo de amor verdadeiro; mera religião, de fé; medo, de coragem profética.
Um jeito de se descobrir a qualidade de fé que se tem é no ambiente de ausência dela. Se circulamos apenas entre cristãos que rezam pela mesma cartilha doutrinária, dificilmente teremos nossa fé/emoção religiosa colocada à prova. É num ambiente de questionamentos, deboches, críticas é que podemos testar a força e de nossas convicções.
A questão do infanticídio, este ano atraiu a máfia ideológica pró-índio que odeia as missões cristãs. Fui submetida durante o ano à diversas sabatinas. Algumas feitas por entrevistadores apenas curiosos, outras por repórteres especialistas em enganar o entrevistado. Em muitos momentos tivemos que nos questionar para saber o que realmente cremos e como podemos apresentar o que cremos ao público.
Por mais confortável que me faça sentir o atribuir ao diabo as perseguições, pensar que estamos sofrendo por amor à Cristo, um subproduto da fé, o Espírito Santo novamente me leva para um caminho diferente e me diz que estou sofrendo devido à minha própria burrice.
Durante muitos anos como missão só nos comunicamos para a audiência evangélica. Não havia nem interesse de nossa parte de falar com o mundo de fora. Vivíamos como a maioria dos crentes no mundo hermeticamente fechado da religião, e nossa única obrigação com o “mundo” era a kerigma, ou proclamação da fé. Hoje graças ao desconforto do Espírito considero este isolamento indesculpável, e vejo que sofremos perseguição não por causa do evangelho, mas por causa de nosso pecado de negligência com a missão mais ampla da igreja. Não amei a sociedade ao meu redor o suficiente para considerá-los dignos de receber minha prestação de contas em sua própria linguagem. Aliás tenho muita dificuldade em falar o socialês, crentês no entanto sai com facilidade. Não amei os movimentos indigenistas para ser transparente e compreensível, para educá-los numa abordagem mais humana. Nos tornamos, por orgulho religioso, uma utilidade pública, com utilidade privada, e isto hoje para nós é a desconfortável marca do pecado que vamos carregar por algum tempo.
Ser sal da terra e luz do mundo, sol e sal, dois elementos conhecidos anti-putrefação, não é coisa simples. Ser fariseu é fácil, viver fé é difícil. Percebo, espero que não tarde demais, que o verdadeiro amor me obriga à transparência e discipulado da sociedade como um todo.
Discipulado e verdade não podem ser trocados por conversão religiosa, e minha maior vitória será amar até o fim aqueles que me odeiam e ao evangelho que prego. Serei discípula d’ Ele quando ainda for capaz de responder em amor aqueles que nunca se convertem, que permanecem no pecado e debocham da minha fé, apesar de todos meus esforços. Não é fácil. Exige cruz, a d’ Ele que me cobre de graça e a minha que mata meu egoísmo, minha obsessão comigo e com minha própria gente.
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Fonte: Eclésia
Bráulia Inês Ribeiro, está na Amazônia há 25 anos como missionária, é presidente nacional da JOCUM (Jovens Com Uma Missão) e autora do livro Chamado Radical (Editora Atos)
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