sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O desejável escândalo do lobo convivendo em paz com o cordeiro no Reino


O texto abaixo é do blog do meu companheiro de Teologia no Bennett Silvio César.  Divulgo aqui seu trabalho, sua visão de Reino e seu coração erudito e sensível.
Morará o Lobo com o Cordeiro (Isaías 11)
Silvio César

A literatura profética de Israel traz, dentre outras coisas, uma mensagem de esperança. Acredito que essa seja a necessidade de nossos dias: uma mensagem que traga esperança.

Não se precisa ir tão longe para encontrar problemas tão reais e tão sem solução presentes na vidas das pessoas: desemprego, fome, violência, medo, depressão, desespero e morte. São alguns dos grandes caos em nosso tempo.

Israel vivia um momento parecido. Não tinham esperança, os empobrecidos eram marginalizados e explorados. O proto-Isaías, contudo, procura reavivar a esperança e a confiança em Javé. A expectativa de um reino de paz perfeita onde o animais domésticos e selvagens convivem com uma criança, sem problema algum. Onde nem mesmo entre os animais haverá ameaça. E porque a terra se encherá do conhecimento de Javé, então não se efetuará dano algum a ninguém.

Ao que parece o Isaías estava vendo na coroação de Ezequias a esperança messiânica e o cumprimento da promessa. Contudo, devido a política de Ezequias não aparentear produzir a sonhada justiça Messiânica, Isaías lança essa esperança para um personagem futuro.

E hoje? Onde está a nossa esperança? No advento de Lula, os trabalhadores e operários esperavam nele o seu Messias; O mundo lança luzes para o advento do primeiro presidente negro dos Estados Unidos; Seria ele um novo Messias do nosso tempo? A bem da verdade que nem Lula e nem Obama conseguem, de fato, restaurar a esperança. E como Isaías somos levados a esperar e lançar nossos olhos para outros que virão.

Isaías tinha de onde esperar: do tronco de Jessé. Talvez não tão seguro como ele, olhamos para os montes e nos perguntamos: "De onde virá o nosso socorro?".

Contudo, assim como no tempo do Isaías, havia aqueles que não reparavam que o mal estava presente; Não viam o problema e não sabiam ler a tristeza presente em seu tempo; Esses são por ele denunciados, mesmo no culto (capítulo 1); Assim somos nós... em nossa religiosidade esquecemos os rejeitados; em nossa comida, esquecemos os famintos; em nossa paz esquecemos dos oprimidos; e em nossa tranquilidade, não olhamos mais para os empobrecidos;

Não será assim para Isaías no reino do rei q virá:

3E deleitar-se-á no temor do Senhor; e não julgará segundo
a vista dos seus olhos, nem decidirá segundo o ouvir dos seus ouvidos;
4mas julgará com justiça os pobres, e decidirá com
eqüidade em defesa dos mansos da terra; e ferirá a terra
com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o ímpio.
5A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade o cinto dos seus rins.

Isaías não sabia em quem esperar... mas esperava que o que viesse tivesse o conhecimento e o temor de Javé, que fizesse valer a justiça. O termo que estudaremos.

Então... de onde nos virá o socorro? Isaías teve forças para, na desesperança, olhar para a frente e esperar aquele que faria com que a צֶדֶק - tsedacá (justiça) - fosse instituída.

O termo refere-se a uma justiça social que corrige a desigualdade. Que estirpa o descontrole social e a escassez dos bens necessários não apenas à sobrevivência, mas à existência. Jesus nos convida a reafirmarmos a tsedacá, dizendo: tive fome e me destes de comer; nu e me vestistes; preso e enfermos e fostes me visitar...

Tsedscá é o lobo e o cordeiro andarem juntos; tsedacá é fazer bem aos pobres; Diferente de caridade ou assistencialismo, a tsedacá é um bem: financeiro; social; emocional; psicológico feito a qualquer pessoa. Para Isaías a urgência são com os injustiçados (sem tsedacá). Aqueles q não tem dinheiro, sao marginalizados, feridos emocionalmente, deprimidos e etc... os chamados: pobres.

A existência daqueles que não tem a tsedacá é um pecado a Javé. Por isso o reino vindouro resolverá, principalmente, esse problema. Fazendo com que a tsedacá reine. Mas o poder de fazer com que ela se estabeleça está nas mãos do povo. Não nas mãos do governante - como o povo sempre espera. Por isso mesmos Isaías diz (1.17):
aprendei a fazer o bem; buscai a justiça, acabai com a opressão,
fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva.

Depois disso Sião seria restaurada. Assim se cria que o estabelecimento da tsedacá, traria o reinado do Messias.

Assim como os judeus acreditavam que a afirmação da tsedacá apressava a vinda do Messias, acreditemos pois que a tsedacá é o cumprimento do Reino de Deus já presente nesse mundo.

No caso da LXX o termo é substituído por "δικαιοσύνῃ" - dikaiosyne. A mesma usada no ensinamento de Jesus quanto a se buscar o reino de Deus e a sua justiça "δικαιοσύνην".

Sobre esse termo, diz Platão algo muito parecido a Isaías: "enquanto a conservarem por meio do conhecimento e da justiça(δικαιοσύνη) e, dentro do possível a deixarem maior do que era antes: só então, e apenas por essas características é que reconheceremos o verdadeiro governo".

E assim podemos compreender o sentido de justiça no Reino de Deus. E entender o que Jesus quis dizer com as "demais coisas serem acrescentadas". Assim que tsedacá ou a dikaiosyne for estabelecida, o reino sonhado por Isaías será estabelecido, o Messias virá, o reino de Deus será estabelecido e as "demais coisas" não faltarão. Enquanto que a busca pelas "demais coisas", sem que haja a tsedacá, sem que a dikaiosyne esteja viva, permite a existência de uma desordem, uma incompletude, uma ausência de justiça e, portanto: fome, desigualdade, opressão, problemas existenciais, exploração e morte.

Faça valer a tsedacá: faça justiça e faça nascer o reino sonhado por Isaías e pregado por Jesus.

Que o lobo more com cordeiro e que um menino os guie...

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